domingo, 8 de maio de 2011

Você é "Hands on"

Você é Hands On ?
por Max Gehringer

Vi um anúncio de emprego. A vaga era de Gestor de Atendimento Interno,
nome que agora se dá à Seção de Serviços Gerais. E a empresa exigia que os
interessados possuíssem - sem contar a formação superior - liderança,
criatividade, energia, ambição, conhecimentos de informática, fluência em
inglês e não bastasse tudo isso, ainda fossem HANDS ON.

Para o felizardo que conseguisse convencer o entrevistador de que possuía
essa variada gama de habilidades, o salário era de 800 reais. Ou seja,
nenhuma fábula... Não que esse fosse algum exemplo fora da realidade. Ao
contrário, é quase o paradigma dos enúncios de emprego. A abundância de
candidatos permite que as empresas levantem cada vez mais a altura da barra
que o postulante terá de saltar para ser admitido.

E muitos, de fato, saltam. E se empolgam. E aí vêm as agruras da
super-qualificação, que é uma espécie do lado avesso do efeito pitico...

Vamos supor que, após uma duríssima competição com outros candidatos tão
bem preparados quanto ela, a Fabiana conseguisse ser admitida como gestora
de atendimento interno.. E um de seus primeiros clientes fosse o seu
Borges, Gerente da Contabilidade.

Seu Borges: -- Fabiana, eu quero três cópias deste relatório.
Fabiana: -- In a hurry!
Seu Borges: -- Ãh??!!
Fabiana: -- Seu Borges, isso quer dizer "bem rapidinho". É que eu tenho
fluência em inglês. Aliás , desculpe perguntar, mas por que a empresa exige
fluência em inglês se aqui só se fala português?
Seu Borges: -- E eu sei lá? Dá para você tirar logo as cópias?
Fabiana: -- O senhor não prefere que eu digitalize o relatório? Porque eu
tenho profundos conhecimentos de informática.
Seu Borges: -- Não, não.. Cópias normais mesmo.
Fabiana: -- Certo. Mas eu não poderia deixar de mencionar minha
criatividade. Eu já comecei a desenvolver um projeto pessoal visando
eliminar 30% das cópias que tiramos.
Seu Borges: -- Fabiana, desse jeito não vai dar!
Fabiana: -- E eu não sei? Preciso urgentemente de uma auxiliar.
Seu Borges: -- Como assim???
Fabiana: -- É que eu sou líder, e não tenho ninguém para liderar. E
considero isso um desperdício do meu potencial energético.
Seu Borges: -- Olha, neste momento, eu só preciso das três cópias.
Fabiana: -- Com certeza. Mas antes vamos discutir meu futuro...
Seu Borges: -- Futuro? Que futuro?
Fabiana: -- É que eu sou ambiciosa. Já faz dois dias que eu estou aqui e
ainda não aconteceu nada.
Seu Borges: -- Fabiana, eu estou aqui há 18 anos e também não me aconteceu
nada!
Fabiana: -- Sei. Mas o senhor é hands on?
Seu Borges: -- Hã?
Fabiana: -- Hands on....Mão na massa.
Seu Borges: -- Claro que sou!
Fabiana: -- Então o senhor mesmo tira as cópias. E agora com licença que
eu vou sair por aí explorando minhas potencialidades. Foi o que me
prometeram quando eu fui contratada.
Então, o mercado de trabalho está ficando dividido em duas facções:

1 - Uma, cada vez maior, é a dos que não conseguem boas vagas porque não
têm as qualificações requeridas.
2 - E o outro grupo, pequeno, mas crescente, é o dos que são admitidos
porque possuem todas as competências exigidas nos anúncios, mas não
poderão
usar nem metade delas, porque, no fundo, a função não precisava delas.

Alguém ponderará - com justa razão - que a empresa está de olho no longo
prazo: sendo portador de tantos talentos, o funcionário poderá ir sendo
preparado para assumir responsabilidades cada vez maiores.

Em uma empresa em que trabalhei, nós caímos nessa armadilha. Admitimos um
montão de gente superqualificada. E as conversas ficaram de tão alto
nível
que um visitante desavisado confundiria nossa salinha do café com a
Fundação Alfred Nobel.


Pessoas super qualificadas não resolvem simples problemas!


Um dia um grupo de marketing e finanças foi visitar uma de nossas
fábricas
e no meio da estrada, a van da empresa pifou. Como isso foi antes do
advento do milagre do celular, o jeito era confiar no especialista, o
Cleto, motorista da van.

E aí todos descobriram que o Cleto falava inglês, tinha informática e
energia e criatividade e estava fazendo pós-graduação.. ... só que não
sabia nem abrir o capô.

Duas horas depois, quando o pessoal ainda estava tentando destrinchar o
manual do proprietário, passou um sujeito de bicicleta. Para horror de
todos, ele falava "nóis vai" e coisas do gênero. Mas, em 2 minutos, para
espanto geral, botou a van para funcionar. Deram-lhe uns trocados, e ele
foi embora feliz da vida.

Aquele ciclista anônimo era o protótipo do funcionário para quem as
Empresas modernas torcem o nariz: O QUE É CAPAZ DE RESOLVER, MAS NÃO DE
IMPRESSIONAR